O
trabalho infantil, mais do que nunca, tem sido alvo constante de
debates e discussões, não apenas porque a sociedade, em geral, o
desaprova, mas também e principalmente por ser cruel com as crianças,
privando-as de uma infância saudável e de um futuro melhor.
Com
o trabalho artístico infantil é diferente. A sociedade o enxerga de
maneira glamourizada, os pais das crianças o aprovam e por fim, a
própria legislação, como a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), que
no artigo 406 permite a juízes das Varas de Infância e Juventude
autorizarem ao menor o trabalho em empresas circenses - como acrobata,
saltimbanco e ginasta, dentre outros -, desde que a apresentação tenha
fim educativo ou a peça de que participe não prejudique sua formação
moral.
A
matéria especial desta semana é sobre o trabalho artístico infantil,
legislação, possibilidade de regulamentação e competência para
autorização do trabalho precoce - reivindicada pela Justiça do Trabalho.
Os ministros do TST (Tribunal Superior do Trabalho) se preparam para
julgar um processo que pede a proibição do trabalho artístico de menores
de 14 anos em uma das maiores emissoras de televisão do país,o SBT. A
ação é do MPT (Ministério Público do Trabalho).
Engano
O
trabalho de crianças artistas sempre encantou os adultos, não apenas no
Brasil, mas em todo o mundo. Um exemplo clássico são os atores mirins
de Hollywood e por aqui, quem não se lembra das crianças que atuaram no
Sítio do Pica-pau Amarelo?
O
fato é que os pais dessas crianças artistas ficam felizes em vê-las
atuando na televisão, tanto que avisam aos amigos que seu filho vai
aparecer na telinha.
"A
sociedade enxerga o trabalho artístico infantil como algo absolutamente
normal, associado aos padrões de sucesso e fama", alerta o procurador
do Trabalho Rafael Marques, coordenador nacional de combate ao trabalho
infantil, pelo MPT.
Até
mesmo os pequenos artistas circenses que se apresentam nos sinais de
trânsito das grandes capitais brasileiras carregam o estigma que
engrandece o trabalho artístico infantil. E não comovem nem mesmo as
autoridades, que permitem a continuidade das apresentações. "Acabam se
acomodando frente a essa grave situação de lesão de direitos ao
reproduzirem o mito, a falsa ideia, de que é melhor aquela criança estar
ali fazendo malabares, do que roubando, assaltando ou se prostituindo",
esclarece.
Pesquisa
feita com o elenco infantil de uma novela evidenciou flagrante
desrespeito à legislação por diversos fatores, como a falta de alvarás
judiciais permitindo a atuação dos menores, e a proibição da permanência
dos acompanhantes dos artistas mirins durante a realização de testes,
gravações e apresentações. "Inexistem cuidados especiais para adaptar o
processo produtivo às necessidades do artista mirim, e as relações são
estabelecidas em ambiente de pressão, competição e vaidade", alertou a
pesquisadora da USP, Sandra Regina Cavalcante.
A
psicóloga Mônica Soares Cazzola define como delicada a situação do
trabalho artístico infanto-juvenil, pelo fato de a Justiça e a sociedade
em geral só reprovarem o trabalho de menores em carvoarias, na
agricultura e em ambientes domésticos. "O glamour da carreira artística
atinge todas as classes sociais, de forma que há crianças atuando em
novelas, teatros e desfiles de moda e na publicidade", afirmou no artigo
"Trabalho infantil artístico: competência da Justiça Estadual ou da
Trabalhista?" publicado na Revista nº 50 do TRT-1 no Rio de Janeiro
(Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região).
Justiça
O
tema trabalho artístico infantil é complexo e polêmico. O TST irá
analisar agravo de instrumento proveniente de ação civil pública
interposta pelo MPT, contra o SBT, no sentido de obrigar a emissora a se
abster de admitir, em qualquer espécie de trabalho, menores de 16 anos -
salvo na condição de aprendiz e a partir dos 14 anos, conforme previsto
no artigo 7º, inciso XXXIII, da Constituição Federal. A instituição
busca ainda a condenação do SBT por dano moral coletivo no valor de R$ 1
milhão. Mas a Justiça do Trabalho em São Paulo já negou os pedidos na
primeira e segunda instâncias.
Na
ação, o MPT pede que menores sejam proibidos de atuarem em programas
artísticos transmitidos pela emissora, "sendo expostos a situações
vexaminosas, humilhantes ou psicologicamente perturbadoras", como
ocorrido com a pequena apresentadora.
Susto
Segundo
o MPT, a emissora tinha alvará judicial autorizando a participação da
menina apenas no Programa "Bom Dia & Cia", destinado ao público
infantil. Mas ela teria passado a se apresentar também do programa
"Sílvio Santos – Domingo Animado", destinado ao público adulto, para o
qual não havia autorização judicial.
Em
uma dessas apresentações no Domingo Animado, ao se deparar com outra
criança fantasiada de monstro, a pequena Maísa correu pelo estúdio
chorando e gritando desesperadamente, culminando por bater a cabeça em
uma das câmeras instaladas no palco.
Diante
da gravidade dessas ocorrências, o MPT entendeu pela sua imediata
atuação. "A criança e o adolescente, embora possuam talento e aptidão
para as artes, não devem ser transformados em fonte de renda da
família", devendo ser priorizados seus estudos, as brincadeiras e a
realização de atividades compatíveis com seu estado de formação, afirmou
o procurador do Trabalho, Orlando Schiavon Júnior, autor da ação.
Para
Schiavon, a regra é a proibição total do trabalho a menores de 14 anos,
inclusive para o infantil artístico, "pois não raro, importam quebra do
princípio da proteção integral, podendo-se, de modo excepcional, ser
autorizado, de forma individual e protegida". Todos os menores deverão
ter autorização judicial para cada novo trabalho realizado, conforme
prevê o artigo 114, inciso I, da Constituição Federal e o artigo 149,
inciso II do Estatuto da Criança e do Adolescente, lembrou o MPT.
Decisão
Para
o juiz titular da Vara do Trabalho de Osasco, Jean Marcel de Oliveira,
não seria jurídico nem justo, que, por causa de uma violação praticada
pela emissora e já reprimida, fosse ela impedida de contratar menores
devidamente autorizados para participar de seus programas. "O que
implicaria inclusive em ceifar a carreira de diversos menores que, por
talento pessoal, estão tendo condições melhores de vida pessoal e
financeira, para si e seus familiares", explicou.
Esse
fato o levou a concluir pela não violação a direito difuso e coletivo
ou individual e homogêneo, mas violação, ainda parcial, a direito
individual da menor, já tutelado pela Vara da Infância e da Juventude de
Osasco, inexistindo qualquer demonstração no processo de que o
incidente ocorrido com a apresentadora tenha acontecido também com
outros menores. O magistrado julgou improcedentes os pedidos do MPT.
Contra
a sentença, o Ministério Público recorreu ao Tribunal Regional do
Trabalho da 2ª Região (SP), mas a decisão foi mantida, entre outras
razões, por não existir lei que proíba o trabalho do menor, e ainda por
não evidenciar violação a direitos difusos coletivos ou individuais
homogêneos, decorrente de conduta da emissora. Para ter seu recurso
processado no TST, o MPT interpôs agravo de instrumento, que aguarda
julgamento.
Comissão Nacional
"O
trabalho artístico infantil é uma questão bastante complicada
culturalmente de se abordar", ressalta a juíza Andréa Saint Pastous
Nocchi, membro da Comissão de Erradicação do Trabalho Infantil,
instituída este ano pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho e o
Tribunal Superior do Trabalho. Coordenada pelo ministro Lelio Bentes
Corrêa, o objetivo da Comissão é desenvolver ações, projetos e medidas
em prol da erradicação do trabalho infantil no Brasil e da proteção ao
trabalho do adolescente.
Segundo
Andréa Pastous a criança não pode ser usada, ainda que artisticamente,
para representar o que ela não é. "Ter um comportamento de adulto, agir
de forma diferente do que uma criança agiria naquela situação", destaca.
E explica que os papéis delegados aos adolescentes e crianças devem ser
compatíveis com a idade que eles têm, representando de forma o mais
fiel possível, a idade e maturidade do ator.
Andréa destaca que uma das maiores dificuldades enfrentadas para coibir o trabalho infantil é justamente o apoio dos pais.
Relação jurídica não é de emprego
De
acordo com o professor e juiz do Trabalho aposentado, Oris de Oliveira,
"a relação jurídica de trabalho da criança ou do adolescente exercida
em representações artísticas ou em espetáculos públicos não é de
emprego". Entre outras razões, segundo, ele, porque o artigo 3º da CLT
exclui a prestação de serviços eventuais do conceito de empregado.
"De
modo geral não há regra específica sobre as relações laborais que
venham a ser praticadas pelos pequenos artistas" ressalta a ministra do
TST Kátia Arruda.
Fonte: Ultima Instancia